13/04/2021 - 18h59

Do limão, façamos a limonada (de preferência a suíça)

Do limão, façamos a limonada (de preferência a suíça)

Em uma manhã dos anos 80 vi o preço de um doce no mercadinho perto de casa. Fui para casa e voltei no mesmo dia à tarde com as moedas para comprar. Surpresa! O preço havia subido e as moedas não davam mais para comprar. Quem é jovem a mais tempo como eu sabe do que estou falando. O famigerado dragão da inflação. A diabólica maquininha de etiquetar e remarcar preços. Por que estou lembrando isto? Voltaremos à esta época? Não exatamente. A preocupação que ronda os bastidores agora se chama estagflação. Este nome não muito simpático que nada mais é que um ambiente de tempestade perfeita, sendo considerado um dos fenômenos mais devastadores que um país e sua população podem sofrer.
A combinação de alto desemprego, recessão econômica e alta inflação é o que chamamos de estagflação. A analogia deste cenário seria uma pessoa se afogando em uma piscina e te pedir ajuda. Imagine ela sem forças e com água entrando nos pulmões, e você a ajuda lançando um cabo de cobre descascado e ligado na tomada. Em um exemplo real, imaginemos um cidadão desempregado e sem perspectiva de conseguir emprego em uma economia recessiva. Ele mal tem R$.40,00 para comprar um botijão de gás e, eis que surge a inflação. O gás agora está R$.100,00. É o chamado golpe de misericórdia. Agora, somemos a isto tudo uma pandemia que ameaça a força vital do cidadão, que é a sua saúde, ou melhor ainda, sua própria vida como conceito de um organismo.
Estes exemplos acima servem para que reflitamos o período que, se não entrarmos nos próximos meses, chegaremos bem perto. Este texto não é para sermos negativos ou apocalípticos, mas todos nós temos o dever de entender o que está acontecendo, e para onde esta situação pode nos levar. A estagflação não é só “mérito” de países pobres como o Brasil. Vários países já tiveram. Agora, as consequências em nenhum deles foi positiva. Há estudos de que a estagflação que a Alemanha viveu após a primeira guerra mundial, levou o povo à uma fúria devido à crise que foi tão grande, a ponto de serem manipulados por um sentimento nacionalista que pode ter sido um dos fatores para o início da segunda guerra.
Nos livros de história a década de 80 foi chamada de década perdida, e foi o maior período de estagflação no Brasil até hoje. Nas próximas edições dos mesmos não tenho a menor dúvida de que esse título será dado para a década de 2010, e entrando na década de 2020. Na década de 80, pelo menos, o PIB cresceu 30%. Entre 2010 e 2020 não crescemos nem a metade disto.  No Brasil, a crise dos anos 80 demorou quase duas décadas para respirarmos. Quanto tempo demoraremos para sairmos desta?
Poderia falar por horas aqui, mas tudo que foi falado acima poderia ser evitado, ou pelo menos minimizado. Temos que tirar uma lição do que estamos vivenciando no país. Os governos e a população, ou seja, toda a sociedade, não fizeram as lições de casa mais simples e óbvias. Aquelas que não precisa ser economista, financista, capitalista ou ter diploma em Harvard para saber. São elas: Gastar menos do que se ganha, sobrar para poupar, e o que poupar saber investir.
Se os governos (e aqui não é só para o atual) tivessem passado as reformas políticas e fiscais, enxugado os gastos públicos, combatido o ralo inescrupuloso da corrupção - que é um câncer na nossa economia política - e se a população ao invés de desperdiçar seu suado dinheiro com uma viagem e um smartphone caro, parcelando em 12 vezes no cartão de crédito, tivessem todos poupado, tenho a absoluta convicção de que não estaríamos vivenciando as mazelas de hoje. Todos nós temos o livre arbítrio de gastar com o que quisermos e vivermos do jeito que preferirmos, mas temos que aceitar as consequências das nossas ações. Devemos ajudar ao próximo em caráter de urgência na crise humanitária que foi instaurada hoje. Mas quem tem um pouco de conhecimento, deve aprender e ensinar para não sermos mais pegos de surpresa.
 A lição positiva de hoje, apesar do texto pesado, é que acabemos com o pensamento imediatista, do “viver intensamente” o hoje, e pensemos no futuro. Deixe o camarão para quem acha que pode comprar lagosta amanhã. Vale a pena comer caviar hoje e não ter como comprar ovo amanhã? Façamos do limão uma limonada. Uma frase simples, mas sábia que ouvi de pessoas que sofreram com crises no passado, superaram, aprenderam e se preparam para não serem mais pegas de surpresa. Viver intensamente não quer dizer gastar intensamente. Pense nisto.

Autor - Sidnei Bertinato da Silva - graduado em Relações Internacionais, e pós graduado na MBA de Gestão Estratégica de Organizações pela FGV.
O texto do autor acima não representa, necessariamente,  a opinião do site Base de câmbio.
 

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